quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

HOLODOMOR - EXTERMÍNIO PELA FOME


Ao dar início à modernização da rústica União Soviética, Josef Stalin também iniciou o que ficaria controversamente conhecido como Holodomor. Enquanto a União Soviética exportava alimento e impunha forte crescimento industrial, dezenas de milhões de ucranianos passavam fome e o canibalismo se tornou prática usual no início da difícil década de 1930. Milhões pereceram ante a fome.
Também chamado de Holocausto Ucraniano ou de A Grande Fome da Ucrânia, o Holodomor (“extermínio” ou “assassinato pela fome”) teria ocorrido entre os anos de 1932 e 1933, tomando o último suspiro de vida de milhões na Ucrânia e no Kuban, ambas as regiões de etnia ucraniana. Contudo, há relativa divergência, sobretudo política, acerca do imenso número de mortos ser ou não decorrente de uma política genocida perpetrada pelo Estado Soviético. Ainda assim, o artigo em tela se baseou na corrente majoritária: houve genocídio.
Antecedentes
Em meados de 1928, o então líder soviético, Josef Stalin, sabendo da fragilidade da União Soviética perante as beligerantes potências estrangeiras, deu início a uma rápida e extraordinária modernização nacional mediante a execução do Primeiro Plano Quinquenal criado pelo Comitê Estatal de Planejamento (GOSPLAN), que dedicou prioridade às grandes obras de infraestrutura e à indústria pesada (siderurgia, maquinaria, etc.).
Nas extensas planícies do seu território, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) executou um radical projeto de coletivização da agricultura privada, que acabaria por desencadear uma grave crise política interna. A coletivização teria alcançado a impressionante soma de 25 milhões de lares e transformado a classe “abastada”, os kulaks, em sem-teto e impedidos de receber ajuda alheia.
O processo de coletivização demandava, para seu sucesso, a exclusão dos agricultores mais bem-sucedidos. No dia 3 de janeiro de 1930, Stalin decretou os kulaks como inimigos do Estado e, dispondo sobre as “medidas para eliminação dos pequenos agricultores kulaks nos distritos de ampla coletivização”, legalmente acabou por transformar a classe em inimiga nacional, pois a enxergava como uma possível fonte de insurreição futura. Estima-se que aproximadamente 10 milhões de kulaks foram desapossados de seu patrimônio e transformados em trabalhadores avulsos na engrenagem soviética.
Dessa forma, toda a União Soviética acabou sendo direcionada ao plano de cinco anos da GOSPLAN e as ações em face dos kulaks logo trouxeram grandes consequências: desapropriações, prisões, deportações e assassinatos. Muitos fugiram para Polônia e países próximos, outros abateram e defumaram seus animais para consumo próprio em vez de entregá-los ao Estado. Stalin, por sua vez, retaliou com violência e a polícia secreta soviética deu início às prisões em massa dos que resistiam à coletivização, deportando-os aos campos da Administração Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colônias, os conhecidos e temidos “GULAGs”.
 Na colheita de 1930, dos três grandes centros produtores de trigo da União Soviética (Sibéria Ocidental, Cazaquistão e Ucrânia), somente a Ucrânia alçou bons resultados correspondendo a aproximadamente um terço de todo o trigo produzido na gigantesca URSS. Todavia, teve quase metade de sua produção confiscada pelo Estado, o que preocupou as autoridades ucranianas pela necessidade de alimentar sua população e garantir os grãos essenciais à próxima semeadura.
Ainda, a radical coletivização agrícola e a perseguição dos kulaks já teriam dado causa a elevados danos às regiões de etnia ucraniana (Ucrânia e Kuban, esta ao norte da região do Cáucaso). Outrossim, por causa das colheitas medíocres realizadas em outras regiões, as regiões ucranianas sofreram exigências específicas para o cumprimento de suas quotas na entrega. Stalin acreditava que estas regiões estavam desviando ou estocando grãos em vez de entregá-los ao Estado, o que ensejou maior perseguição estatal e consequentes negações de pedidos de ajuda.
Outro fator que teria alicerçado a forte política stalinista repousa no argumento de que as regiões de etnia ucraniana eram vistas como o elo político mais frágil e conturbado, mas essencial à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Assim sendo, acreditava-se que tais regiões deveriam sofrer certo arrocho para que permanecessem vinculadas à “federação” soviética.
A fome que se abateria sobre a Ucrânia soviética foi prenunciada em 1931, quando “o fracasso da primeira colheita da coletivização foi evidente. As razões eram várias: o clima não ajudou; as pragas eram um problema; a tração animal era limitada porque os camponeses haviam vendido ou eliminado seus rebanhos; a produção de tratores era muito inferior ao previsto; os melhores agricultores “kulaks”, tinham sido deportados; a semeadura e a colheita foram desestabilizadas pela coletivização; e os camponeses que tinham perdido suas terras não viam razão para se esforçar demais no trabalho”. (SNYDER, 2012, p. 61, acréscimo nosso)
***O Holodomor 
 No fim do primeiro semestre de 1932, a escassez de comida se impunha, mas, mesmo com graves advertências, a quota de grãos estabelecida pela GOSPLAN sofreu nova elevação e as negações de ajuda por parte do Partido Comunista se intensificaram uma vez mais.
No dia 12 de junho de 1932, apesar dos protestos, Viatcheslav Molotov, membro da cúpula soviética, demonstrou a determinação do Estado no êxito do plano quinquenal:
Mesmo que hoje confrontados com o espectro da fome, principalmente nas zonas produtoras de grãos, os planos de coleta devem ser cumpridos a qualquer custo”. (IVNITSKII, apud: WERTH, 2015, s/p,).
No mês seguinte, na primeira metade do mês de julho, ocorreu a Terceira Conferência do Partido da Ucrânia e, com debates acalorados, ficou evidenciado que a nova cota não seria atingida, que seria irreal, um desvario de Moscou. Posteriormente, as colheitas da Ucrânia e do Kuban consubstanciaram o anteriormente dito na conferência, sendo insatisfatórias e fazendo a fome recair sobre a população o Holodomor teve início.
As coletas de setembro e outubro de 1932 foram catastróficas. Em setembro, apenas 32 por cento da meta mensal foi alcançado na Ucrânia e 28 por cento no norte do Cáucaso [em Kuban]. Em outubro, as entregas encolheram de novo: Em 25 de outubro, apenas 22 por cento da quotização obrigatória fixada para esse mês foi coletada na Ucrânia, e 18 por cento no Norte do Cáucaso” (SHAPOVAL; VASILEV, apud: WERTH, 2015, s/p, acréscimo nosso).
No final de 1932 e início de 1933, em meio à grande fome, miséria e mortes, camponeses e kulaks deram início a um processo de sabotagem na linha de produção agrícola, que acarretou severa punição por parte do Estado. A resistência ucraniana às ordens da capital soviética, Moscou, tornou-se “armada”, o que acabou por ser considerada uma contrarrevolução e, assim, militarmente acabou sendo combatida e neutralizada. Estima-se que aproximadamente 100 mil pessoas tenham sido presas e enviadas aos GULAGs.
Em 1933, entre os meses de fevereiro e julho, a fome chegou ao auge e uma arrebatadora onda de morte por inanição se alastrou como uma epidemia, obrigando muitos a praticarem canibalismo.
De acordo com relatório trocado entre membros da polícia secreta soviética:
 Pode-se mesmo dizer que o canibalismo tornou-se um hábito. Há alguns que eram suspeitos de canibalismo no ano passado e agora estão regredindo novamente, matando crianças, conhecidos e até mesmo estranhos na rua. Nas aldeias que são afetadas por canibalismo, a cada dia que passa fortalece a crença das pessoas de que é aceitável comer carne humana. Esta ideia é particularmente difundida entre as crianças.” (WERTH, 2015, s/p).
Em um cenário similar aos campos de concentração nazistas, tornou-se comum ver cadáveres nas ruas, parques e linhas férreas. Com o grande número de mortos e o consequente esgotamento de jazigos, praças e jardins começaram a servir de cemitérios. Placas foram inutilmente postas pelo governo proibindo a prática ilegal de enterro.
Os números de mortes divergem em grande escala, mas se mostram severos em quaisquer: estima-se que entre 3 e 7 milhões de ucranianos possam ter morrido por inanição, além de outros 3 milhões em outras áreas da então União Soviética, que negou e tramou para esconder a terrível mortandade até o ano de 1987, quando a reconheceu e abriu seus arquivos secretos. Todavia, ao que parece, sem se referir ao tema como genocídio ou afim.
O Plano Quinquenal de Stalin, concluído em 1932, trouxe desenvolvimento industrial à custa da miséria do povo. As mortes de camponeses ao longo das vias férreas eram uma evidência assustadora desses novos contrastes. Em toda Ucrânia soviética, os passageiros dos trens tomavam involuntariamente parte desses terríveis acidentes. Os camponeses famintos seguiam para as cidades ao longo das linhas de trem, alguns desmaiavam de fraqueza sobre os trilhos.” (SNYDER, 2012, p. 49-50).
***Após a coletivização forçada (aproximadamente sete milhões de pessoas, das quais três milhões de crianças), foram eliminadas sistematicamente através da supressão dos gêneros alimentícios produzidos pela Ucrânia, e o seu desvio para outras repúblicas soviéticas a preços subsidiados, num processo que ficou conhecido como "Dumping Soviético". A fome atingiu também as regiões ao sul da Rússia, médio e baixo Volga, sul do Ural, norte do Cazaquistão e oeste da Sibéria porém o termo Holodomor refere-se apenas aos mortos de etnia ucraniana. Foram prejudicadas principalmente as áreas de cultura agrícola que tinham condições de produzir excedentes para a alimentação populacional. No auge do genocídio, 25.000 pessoas morriam de fome todos os dias na Ucrânia.
O genocídio foi idealizado e planejado pelo membro do Partido Comunista da União Soviética Lasar Kaganowitsch, nascido em Kiew (Ucrânia) de pais judeus e colocado em prática por Josef Stalin. A fome, já usada antes na Fome russa de 1921, era o meio usado pela URSS para eliminar qualquer resistência ou oposição da população ucraniana, na época composta por 80% de camponeses, ao regime comunista.
Stanislaw Redens, cunhado de Josef Stalin e dirigente da polícia secreta soviética na Ucrânia, recebeu a incumbência de liquidar os proprietários de fazendas que empregavam trabalhadores assalariados (denominados de Kulak), e os contrarevolucionários que se opunham à política de coletivização da União Soviética. Houve a prisão de milhares de dirigentes de Kolchoses (fazendas coletivas), e por não ter sido alcançada a meta de produção de cereais em 1933, Stanislaw Redens foi destituído de suas funções. Em 1933, a catástrofe foi levado ao conhecimento público mundial pelos jornalistas Gareth Jones e Malcom Muggeride. A reação pró-soviética surgiu com o jornalista Walter Duranty, que desdenhou a gravidade do drama.
 O termo Holodomor compõe-se das palavras ucranianas Holod e Mor. Holod significa "fome" e Mor significa "morte", Assim Holodomor significa literalmente "morte por fome".
 Em julho de 2009, o Ministério Público ucraniano publicou uma lista de funcionários graduados do regime soviético, do partido comunista e do NKVD (serviço secreto soviético da época), envolvidos com o Holodomor. Destes, reconheceu principalmente lituanos e judeus como responsáveis pelo planejamento e a execução do crime. Em consequência, o "Conselho Central dos Judeus" solicitou ao Ministério Público “rever” a lista, eis que a mesma poderia incentivar o ódio racial na Ucrânia.
Sobre as causas do Holodomor há diversas concepções. Principalmente historiadores ucranianos enfatizam que se trata de um crime consciente, organizado e executado pelo regime soviético de Josef Stalin. O historiador judeu Miklós Kun, neto de Béla Kun, informa: " Foi um assassinato de milhões de seres humanos, executado de forma consciente e sistemática. (...) Enquanto em povoados ucranianos as pessoas desesperadas e alucinadas pela forme comiam folhas e brotos das árvores, gêneros alimentícios ucranianos eram revendidos em outras repúblicas soviéticas a preços subsidiados, no que se passou a chamar de "Dumping Soviético".
 Em contrapartida, historiadores russos argumentam que a fome decorreu de colheitas fracassadas, situação ainda agravada pela coletivização da agricultura e a decorrente oposição dos agricultores ucranianos. Tal fato porém não impediu a União Soviética de exportar cereais. O escritor, jornalista e sociólogo Gunnar Heinsohn”, constata que na Ucrânia, no Casaquistão e em algumas áreas do Cáucaso houve fortes resistências às desapropriações decorrentes das coletivizações agrícolas forçadas. A apreensão de víveres para agravar a fome, foi um meio utilizado para quebrar a oposição às desapropriações e para enfraquecer os movimentos separatistas destes povos. Evitou-se também o atendimento aos esfomeados e impediu-se as pessoas de se retirar das localidades atingidas pela fome.
 Gunnar Heinsohn caracteriza esta realidade como uma mistura de genocídio com "politicídio".
 A denúncia da verdade dos fatos muitas vezes é desdenhada por motivos políticos como “anticomunismo malévolo”.
Os defensores do conceito de crime de fome, consideram o Holodomor como fenômeno específico ucraniano e o denominam como "Ato de genocídio contra o povo ucraniano", provocado conscientemente pelo regime stalinista.
 Reconhecimento atual
Em meados de 1998, celebrou-se o dia da Memória das Vítimas da Fome e da Repressão Política, ocorrido anualmente no quarto sábado do mês de novembro. Doravante, o parlamento ucraniano ratificou ato apresentando ao mundo o Holodomor como genocídio.
Atualmente, o Holodomor, ou A Grande Fome da Ucrânia ou mesmo Holocausto Ucraniano, detém reconhecimento de países.
Os seguintes países reconheceram oficialmente a conceituação do Holodomor como genocídio: Argentina             Equador                Hungria          Paraguai
Austrália              Espanha                 Itália              Peru                                                                      Azerbaijão           E.U.A.                   Japão             Polônia                                              Bélgica                Estônia                  Letônia          Ucrânia
Brasil                  Geórgia                  Lituânia         Vaticano                    
Canadá                                              Moldávia
Contudo, ainda existe grande indiferença ou rejeição ao tema, de modo que alguns dos países centrais na política internacional vêm se abstendo de comentários. Outros, como a Itália, promovem até debates acadêmicos acerca do controverso tema.
A comissão jurídica da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa negou em 2010 à Ucrânia a definição oficial do Holodomor como genocídio. A recusa se deve à interferência da Rússia, tornando as proposições ucranianas inaceitáveis para a comissão.
O vice-dirigente da delegação russa, Leonid Sluzki” declarou:
"Todas alterações, entre elas a disposição sobre um genocídio contra a Ucrânia estão rejeitadas.
Motivo da rejeição foi a menção "em memória das vítimas da fome na ex-União Soviética", feita no relatório pelo presidente da assembleia, Mevlüt Cavusoglu. Este relatório já era uma versão desagravada, não obtendo mesmo assim a aprovação russa. Embora a assembleia reconhecesse que o regime stalinista era responsável por ação consciente, pela morte de milhões de seres humanos no Holodomor, não assumiram caracteriza-lo, em consideração à Rússia, como genocídio. Como justificativa apresentou-se o argumento de que durante a fome de 1932-1933 não houve apenas vitimas de um determinado povo.  O assunto Holodomor teria sido malversado para atender aos interesses de "determinadas facções políticas" na Ucrânia. Interessa também apontar que, na Internet, há um imenso número de registros fotográficos se referindo ao Holodomor, quando, na verdade, tratam-se de outros massacres e afins, tendo muitos ocorrido posteriormente e variando tanto no espaço quanto no tempo.
Inobstante, A Grande Fome da Ucrânia carece de um razoável número de fotografias, sendo a maioria o resultado do fruto da teimosia de observadores estrangeiros, que burlaram o sistema de repressão soviético e propagaram as atrocidades da política stalinista ao mundo.
 Principais pontos:
*Targan é uma pequena aldeia a 120 km de Kiev, a capital da Ucrânia. Durante 1932 e 1933 metade da população morreu de fome.
*Este período ficou conhecido como Holodomor. Não foi a falta de alimentos que esteve na origem do flagelo mas uma ordem da União Soviética de Stalin, após a coletivização forçada.
*Os camponeses recusaram integrar os “kolkhozes” e a entregar as suas produções.
*Oleksandra Ovdiyuk, recordada que “os bolcheviques criaram brigadas especiais de sete pessoas. Essas brigadas varriam as aldeias, em vagões, para confiscar qualquer feijão, grão ou outros alimentos que estivessem escondidos nas casas dos agricultores.”
*Os camponeses que sobreviveram à fome foram aqueles que conseguiram esconder alguns alimentos dos soviéticos e alimentar-se de tudo o que conseguiam obter, como por exemplo folhas e talos de milho.
*Segundo os sobreviventes, no inverno de 1932 – 1933, as pessoas viram-se obrigadas a comer até os animais de companhia, como cães e gatos. Chegou mesmo a haver casos de canibalismo, como recorda Olena Goncharuk. “Tínhamos medo de andar pela aldeia pois os camponeses estavam famintos e caçavam as crianças. Lembro-me da minha vizinha, ela tinha uma filha que desapareceu. Fomos à casa dela. A cabeça estava separada do corpo e o corpo estava a assar no forno.”
*O cemitério de Targan era, em 1933, uma vala comum. Cerca de quatro centenas de camponeses foram aqui enterrados, muitos ainda com vida.
*Estima-se que a Grande Fome tenha provocado milhões de mortos. Devido à magnitude do Holodomor, os historiadores ucranianos classificam-no como genocídio, uma classificação pouco consensual. Os acadêmicos internacionais tendem a classificar o Holodomor como um crime contra os direitos humanos.
*O historiados ucraniano, Volodymyr Serhiychuk, considera que defende que o termo genocídio é o adequado pois, como conta, “houve a fome em outras regiões da URSS, no Cazaquistão, por exemplo, mas os cazaques podiam ir e procurar comida em regiões limítrofes da Rússia, ou no Quirguistão e Uzbequistão. Mas os ucranianos não tinham possibilidade de ir à Bielorrússia ou à Rússia, porque as fronteiras estavam fechadas e não lhes era permitido comprar bilhetes de comboio. Os agricultores ucranianos não quiseram aderir aos “kolkhozes “, nem dar aos bolcheviques a sua produção. É por isso que os bolcheviques não tiveram outra opção senão matá-los à fome,” conclui.
*Desde 2006, a Ucrânia instituiu que o quarto sábado de novembro seria o dia do Holodomor. Um dia em que todo o país lembra os milhões de ucranianos que morreram à fome, colocando velas em todas as janelas e nos monumentos evocativos.
*Apesar do Holodomor ser reconhecido como genocídio por mais de 20 países, os académicos internacionais consideram que este não foi um ato com um intuito de exterminar um povo, pois outros países e outros povos foram, também afetados. Uma ideia, defendida, também, por André Liebich, Professor no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento, Suíça, historiador especialista em países da ex-URSS.
*O primeiro artigo da lei ucraniana sobre o Holodomor define-o como genocídio do povo ucraniano. É reconhecido como tal em mais de 20 países. No entanto, para muitos, a utilização do termo’‘genocídio” não é o mais adequado. Por quê?
De facto, o termo é mal escolhido. Quando pensamos em genocídio, especialmente no contexto da década de 30, pensamos primeiro no Holocausto. Mas a diferença é que o Holodomor não afetou só o povo ucraniano, afetou também outros povos, no interior da Ucrânia e mesmo fora, como no Cazaquistão e na Rússia. Além disso, o Holocausto foi uma campanha, uma intenção de exterminar um povo, enquanto o Holodomor, se não houvesse milhões de vítimas, o que é indiscutível, não foi planeado com o intuito de erradicar o povo ucraniano. Foi o resultado de uma política desumana e brutal de Stalin, que não hesitou, perante o número de vítimas que iria criar. Mas a sua principal intenção não era eliminar os ucranianos mas realizar o seu programa, custasse o que custasse. Mesmo à custa de milhões de vítimas, especialmente agricultores, que eram, na sua maioria, ucranianos.     

*Holodomor: um crime contra a humanidade e não como um crime contra um povo em particular. Se concebermos o Holodomor como um crime que afetou milhões de pessoas em toda a ex-União Soviética, temos uma base para a comemoração comum, para uma reconciliação entre russos, ucranianos e outros povos. Se pretendermos classificar a tragédia do Holodomor como puramente ucraniana e que visa apenas os ucranianos, isso criará conflitos com aqueles que foram, também, vítimas dessa tragédia.

Água - Recursos Hídricos



Recursos hídricos: potencial e aproveitamento (hidroeletricidade, irrigação e transporte).
 Regiões tropicais, áreas sedimentares e as grandes bacias hidrográficas passam a ser vistas como áreas estratégicas na produção energética renovável, no aproveitamento agrícola de áreas secas (irrigação) e como modalidade de transporte capaz de reduzir de forma significativa o custo de produção e aumentar a competitividade dos produtos.




O Brasil, com seu gigantesco potencial hídrico, passa a se destacar como detentor de um dos maiores potenciais do mundo.
A água é essencial à vida e todos os organismos vivos no planeta Terra dependem da água para sua sobrevivência. O planeta Terra é o único planeta do sistema solar que tem água nos três estados (sólido, líquido e gasoso), e as mudanças de estado físico da água no ciclo hidrológico são fundamentais e influenciam os processos biogeoquímicos nos ecossistemas terrestres e aquáticos. Somente 3% da água do planeta está disponível como água doce. Destes 3%, cerca de 75% estão congelados nas calotas polares, em estado sólido, 10% estão confinados nos aquíferos e, portanto, a disponibilidade dos recursos hídricos no estado líquido é de aproximadamente 15% destes 3%. A água, portanto, é um recurso extremamente reduzido. O suprimento de água doce de boa qualidade é essencial para o desenvolvimento econômico, para a qualidade de vida das populações humanas e para a sustentabilidade dos ciclos no planeta.
A água nutre as florestas, mantêm a produção agrícola, mantêm a biodiversidade nos sistemas terrestres e aquáticos. Portanto, os recursos hídricos superficiais e os recursos hídricos subterrâneos são recursos estratégicos para o homem e todas as plantas e animais.
O ciclo hidrológico é o princípio unificador fundamental referente à água no planeta, sua disponibilidade e distribuição. O ciclo hidrológico opera em função da energia solar que produz evaporação dos oceanos e dos efeitos dos ventos, que transportam vapor d’água acumulado para os continentes. A velocidade do ciclo hidrológico variou de uma era geológica a outra, bem como a proporção de águas doces e águas marinhas.
As características do ciclo hidrológico não são homogêneas, daí a distribuição desigual da água no planeta. Há 26 países com escassez de água e pelo menos 4 países (Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Ilhas Bahamas, Faixa de Gaza – território palestino) com extrema escassez de água (entre 10 e 66 m3/habitante). A Tabela I mostra os balanços hídricos por continente e a Tabela II o balanço hídrico das principais bacias hidrográficas do Brasil.
Tabela I – Balanço Hídrico de águas superficiais por continente
Continente
Precipitação (Km3/ano)
Evaporação (Km3/ano)
Drenagem (Km3/ano)
Europa
8,290
5,320
2,970
Ásia
32,200
18,100
14,100
África
22,300
17,700
4,600
América do Norte
18,300
10,100
8,180
América do Sul
28,400
16,200
12,200
Austrália/Oceania
7,080
4,570
2,510
Antártica
2,310
0
2,310
Total
118,880
71,990
46,870
Tabela II - Balanço hídrico das principais bacias hidrográficas do Brasil
Bacia Hidrográfica
Área (Km2)
Média da
Precipitação
(m3/s)
Média de descarga
(m3/s)
Evapotransp
(m3/s)
Descarga/
Precipitação
(%)
Amazônica
6.112.000
493.191
202.000
291.491
41
Tocantins
57.000
42.387
11.300
31.087
27
Atlântico Norte
242.000
16.388
6.000
10.388
37
Atlântico Nordeste
787.000
27.981
3.130
24.851
11
São Francisco
634.000
19.829
3.040
16.789
15
Atlântico Leste Norte
242.000
7.78
670
7.114
9
Atlântico Leste Sul
303.000
11.79
3.710
8.081
31
Paraná
877.000
39.935
11.200
28.735
28
Paraguai
368.000
16.326
1.340
14.986
8
Uruguai
178.000
9.589
4.040
5.549
42
Atlântico Sul
224.000
10.515
4.570
5.949
43
Brasil incluindo Bacia Amazônica
10.724.000
696.020
251.000
445.020
36
O Brasil tem aproximadamente 16% das águas doces do planeta, distribuídas desigualmente. A Figura 1 mostra a distribuição dos recursos hídricos superficiais do Brasil em relação à distribuição da população.
Figura 1 – Regiões hidrográficas do Brasil e distribuição da população
Água – desenvolvimento econômico e estimativas do uso dos recursos hídricos
Sempre houve grande dependência dos recursos hídricos para o desenvolvimento econômico. A água funciona como fator de desenvolvimento, pois ela é utilizada para inúmeros usos diretamente relacionados com a economia (regional, nacional e internacional). Os usos mais comuns e freqüentes dos recursos hídricos são: água para uso doméstico, irrigação, uso industrial e hidroeletricidade. De 1900 a 2000, o uso total da água no planeta aumentou dez vezes (de 500 km3/ano para aproximadamente 5.000 Km3/ano) (Figura 2). Os usos múltiplos da água aceleram-se em todas as regiões, continentes e países. Estes usos múltiplos aumentam à medida que as atividades econômicas se diversificam e as necessidades de água aumentam para atingir níveis de sustentação compatíveis com as
pressões da sociedade de consumo, a produção industrial e agrícola.Figura 2 – Tendências no consumo global de água, 1900-2000
 
A Tabela III mostra a retirada de água “per capita” para diferentes continentes por atividade (para o ano 2000)
Região
Doméstico
m3/ano
Industrial
m3/ano
Agricultura
m3/ano
Perdas em
reservatórios
m3/ano
Europa
150
400
185
10
União Soviética
120
500
1.310
70
Ásia
75
150
5.585
25
África
50
100
400
85
América do Norte
260
2.000
1.050
110
América do Sul
20
200
190
35
Oceania
110
700
750
150





A Tabela IV mostra as projeções para os usos múltiplos da água retiradas para usos diversos até 2015
Setor
2015
(sem reuso industrial)
km3/ano
2015
(com reuso industrial)
km3/ano
Doméstico
890
890
Industrial
4,100
1,145
Agricultura
5,850
5,850
Total
10,884
7,885

A urbanização acelerada em todo o planeta produz inúmeras alterações no ciclo hidrológico e aumenta enormemente as demandas para grandes volumes de água, aumentando também os custos do tratamento, a necessidade de mais energia para distribuição de água e a pressão sobre os mananciais.
À medida que aumenta o desenvolvimento econômico e a renda per capita, aumenta a pressão sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos. As estimativas e projeções sobre os usos futuros dos recursos hídricos variam bastante, em função de análises de tendências diversificadas, algumas baseadas em projeções dos usos atuais, outras em função de reavaliações dos usos atuais e introdução de medidas de economia da água, tais como, reuso e medidas legais para diminuir os usos e o consumo e evitar desperdício, ou a cobrança pelo uso da água e o princípio do poluidor/pagador.
Os impactos nos recursos hídricos
Os impactos quantitativos nos recursos hídricos são crescentes e produzem grandes alterações nos estoques de águas superficiais e subterrâneas. Há casos muito evidentes de uso excessivo de recursos hídricos superficiais que resultaram na redução quantitativa acentuada e em desastres de grandes proporções. Exemplos disto são os problemas referentes ao Mar de Aral, à cidade do México e a muitas outras regiões do planeta, especialmente regiões urbanas.
Além dos impactos quantitativos, há muitos outros impactos na qualidade da águas superficiais e subterrâneas que comprometem os usos múltiplos e aumentam as pressões econômicas regionais e locais sobre os recursos hídricos.
Atividade Humana Impacto nos ecossistemas aquáticos Valores/serviços em risco
Construção de represas. Altera o fluxo dos rios e o transporte de nutrientes e sedimento e interfere na migração e reprodução de peixes. Altera habitats e a pesca comercial e esportiva.Altera os deltas e suas economias.
Construção de diques e canais. Destrói a conexão do rio com as áreas inundáveis. Afeta a fertilidade natural das várzeas e os controles das enchentes.
Alteração do canal natural dos rios. Danifica ecologicamente os rios. Modifica os fluxos dos rios. Afeta os habitats e a pesca comercial e esportiva. Afeta a produção de hidroeletricidade e transporte.
Drenagem de áreas alagadas. Elimina um componente chave dos ecossistemas aquáticos. Perda de biodiversidade. Perda de funções naturais de filtragem e reciclagem de nutrientes. Perda de habitats para peixes e aves aquáticas.
Desmatamento do solo. Altera padrões de drenagem, inibe a recarga natural dos aquíferos, aumenta a sedimentação. Altera a qualidade e a quantidade da água, pesca comercial, biodiversidade e controle de enchentes.
Poluição não controlada. Diminui a qualidade da água. Altera o suprimento de água. Aumenta os custos de tratamento. Altera a pesca comercial. Diminui a biodiversidade. Afeta a saúde humana.
Remoção excessiva de biomassa. Diminui os recursos vivos e a biodiversidade. Altera a pesca comercial e esportiva. Diminui a biodiversidade. Altera os ciclos naturais dos organismos.
Introdução de espécies exóticas. Elimina espécies nativas. Altera ciclos de nutrientes e ciclos biológicos. Perda de habitats e alteração da pesca comercial. Perda da biodiversidade natural e estoques genéticos.
Poluentes do ar (chuva ácida) e metais pesados. Altera a composição química de rios e lagos. Altera a pesca comercial. Afeta a biota aquática. Afeta a recreação. Afeta a saúde humana. Afeta a agricultura.
Mudanças globais no clima. Afeta drasticamente o volume dos recursos hídricos. Altera padrões de distribuição de precipitação e evaporação. Afeta o suprimento de água, transporte, produção de energia elétrica, produção agrícola e pesca e aumenta enchentes e fluxo de água em rios.
Crescimento da população e padrões gerais do consumo humano. Aumenta a pressão para construção de hidroelétricas e aumenta a poluição da água e a acidificação de lagos e rios. Altera os ciclos hidrológicos. Afeta praticamente todas as atividades econômicas que dependem dos serviços dos ecossistemas aquáticos.
O aumento e a diversificação dos usos múltiplos, o extenso grau de urbanização e o aumento populacional resultaram em uma multiplicidade de impactos que exigem evidentemente diferentes tipos de avaliação, novas tecnologias de monitoramento e avanços tecnológicos no tratamento e gestão das águas. Este último tópico tem fundamental importância no futuro dos recursos hídricos, pois como já descrito anteriormente, os cenários de uso aumentando e excessivo estão relacionados com uma continuidade das políticas no uso e gestão pouco evoluída conceitualmente e tecnologicamente.
Os resultados de todos estes impactos são muito severos para as populações humanas, afetando todos os aspectos da vida diária das pessoas, a economia regional e nacional e a saúde humana. Estas consequências podem ser resumidas em:
. Degradação da qualidade da água superficial e subterrânea.
. Aumento das doenças de veiculação hídrica e impactos na saúde humana.
. Diminuição da água disponível per capita.
. Aumento no custo da produção de alimentos.
. Impedimento ao desenvolvimento industrial e agrícola e comprometimento dos usos múltiplos.
. Aumento dos custos de tratamento de água.
Além destes impactos produzidos pelas atividades humanas, deve-se também considerar que as mudanças globais em curso poderão afetar drasticamente os recursos hídricos do planeta. Estas mudanças globais, em parte resultantes da aceleração dos ciclos biogeoquímicos e contribuição de gases de efeito estufa para a atmosfera, também poderão interferir nas características do ciclo hidrológico, afetar a temperatura das águas superficiais de lagos, rios e represas, alterar a evapotranspiração e produzir impactos diversos na biodiversidade. Estas mudanças globais poderão ter efeitos na agricultura, na distribuição da vegetação e consequentemente poderão alterar a quantidade e qualidade dos recursos hídricos.
Um dos importantes problemas relativos aos impactos dos usos múltiplos e a sua quantificação está na distribuição compartilhada dos recursos hídricos nas bacias internacionais.
Há 19 bacias hidrográficas internacionais cujos recursos hídricos são compartilhados por 5 ou mais países. A bacia do Rio Danúbio, por exemplo, hoje é resultado dos usos por 17 países (eram 12 em 1978). Estas bacias internacionais geram grande número de problemas políticos complexos, resultantes da disputa pelos recursos hídricos e usos múltiplos por diferentes países. Conflitos internacionais com disputa pelos recursos hídricos são resultado de animosidades religiosas, disputas ideológicas, problemas fronteiriços e competição econômica. À medida que ocorre uma percepção cada vez mais acentuada sobre os recursos hídricos e seu valor econômico e social, mais acirrada se torna a disputa por recursos hídricos internacionais (Tabela V).
Tabela V - Número de bacias internacionais por Continente
Continente
Nações Unidas [15]
Wolf et al. [16]
África
57
60
América do Norte e Central
33
39
América do Sul
36
38
Ásia
40
53
Europa
48
71
Total
214
261

Problemas especiais referentes aos usos de recursos hídricos
Água e produção de alimentos
O desenvolvimento socialmente justo de todo o planeta deve promover a distribuição e o suprimento adequado de alimento para todos os habitantes do planeta. A avaliação adequada dos recursos hídricos necessários para duplicar a produção de alimentos ainda não foi feita. Quais as fontes principais de água disponíveis para produzir alimento, por região ou continente? Ainda não há uma definição muito clara sobre este problema, especialmente em continentes como a América do Sul e África.
Grande parte da expansão na produção de alimentos foi conseguida, principalmente, pelo aumento da área irrigada, especialmente na Ásia e particularmente na Índia.
A produção agrícola depende da irrigação, da precipitação natural e da água produzida por aquíferos subterrâneos utilizada para irrigação. A utilização de água para irrigação era de 2.500 Km3 em 1999. Sem essa água utilizada para irrigação, a produção agrícola mundial estaria muito abaixo da produção atual.
É fundamental o investimento em novas técnicas de irrigação para melhorar o uso da água e economizar recursos hídricos de forma adequada, nos diferentes continentes. Evidentemente, estes usos de água dependem do tipo de solo e do clima, do tipo de cultura e das características do ciclo hidrológico local ou regional. A água requerida para produzir dietas básicas com base em necessidades regionais varia de um mínimo de 640m3/pessoa/ano para a África Subsaariana, até um máximo de 1.830 m3/pessoa/ano para o continente norte-americano. Na América Latina estes números são da ordem de 1.000m3/pessoa/ano.
Estes dados incluem água de irrigação e águas de precipitação natural. Os requerimentos de água para produção de várias culturas e tipos de alimento variam enormemente. Por exemplo, para produção de 1Kg de trigo são necessários 900 a 2000 Kg de água e para produção de 1Kg de carne bovina são necessários 15.000 a 70.000 Kg de água. Custos do alimento estão relacionados com os custos da irrigação e o volume de água utilizado na produção.
Água para as regiões urbanas
O crescimento exponencial da população humana promoveu uma enorme demanda sobre os recursos hídricos, aumentando significativamente a necessidade de grandes volumes de água para suprir as populações urbanas adequadamente sem causar danos à saúde pública. A urbanização avançou sobre os mananciais e deteriorou as fontes de suprimentos superficiais e subterrâneas. Os custos do tratamento de água para produção de água potável atingem altos valores especialmente se os mananciais estão desprotegidos de florestas riparias e cobertura vegetal suficiente nas bacias hidrográficas e se as águas subterrâneas estão contaminadas. Estes custos variam de R$ 0,50 a R$ 80,00 ou R$ 100,00 dependendo da região, época do ano e da fonte. De grande preocupação é a toxicidade dos mananciais, o que pode aumentar os riscos à saúde humana e agravar problemas principalmente de toxicidade crônica. Regiões urbanas produzem grandes volumes de águas residuárias de origem doméstica, esgotos não tratados que degradam rios e lagos próximos e elevam os custos do tratamento. No Brasil somente 20% dos esgotos municipais são tratados, produzindo um vasto processo de eutrofização de rios, represas e lagos naturais e águas costeiras.
Água e Saúde Humana
Existem muitas informações sobre os efeitos dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos deteriorados sobre a saúde humana. Há diversas doenças de veiculação hídrica que são consequências de organismos que tem um ciclo de vida de alguma forma relacionado com águas estagnadas, rios, represas, estuários ou lagos. Estas doenças, em Continentes como América Latina, África e no Sudoeste da Ásia, matam mais pessoas que todas as outras doenças em conjunto. As doenças que atingem os seres humanos a partir da água poluída podem resultar de contaminação em águas não tratadas (esgotos domésticos) por contribuição de pessoas e animais infectados, animais em regiões de intensa atividade pecuária (galo, aves, suínos) ou por animais silvestres. As doenças de veiculação hídrica aumentam de intensidade e distribuição em regiões com alta concentração populacional, por exemplo, em zonas periurbanas metropolitanas, e com o aumento de despejos de atividades industriais, especialmente aqueles provenientes das indústrias de processamento da matéria orgânica (carne, laticínios, cana de açúcar). Fatores adicionais de contaminação são os rios urbanos de pequeno porte, com águas contaminadas e não tratadas que podem funcionar como polo de dispersão de doenças de veiculação hídrica direta ou indiretamente. A eutrofização de sistemas continentais e costeiros também é causa de contaminação e aumento de doenças.
Inabilidade e mortes prematuras produzidas por doenças de veiculação hídrica têm como consequência muitas perdas econômicas, efeitos de curto e longo prazo.
Valoração dos Recursos Hídricos
Os ecossistemas apresentam funções que podem ser qualificadas de “serviços” e benefícios à população humana e a outras espécies. Por exemplo, a produção de alimentos, a reciclagem de nitrogênio e fósforo pelos ecossistemas aquáticos, a produção de alimento e o suprimento de água para abastecimento público, podem ser considerados “serviços” proporcionados pelos recursos hídricos. Esta valorização pode ser feita em função do “capital natural” que pode ser a biodiversidade ou funcionamento de uma área alagada como promotor do saneamento. Os estoques de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos podem ser considerados um capital que é crítico ao funcionamento do planeta, contribuindo para o bem estar e a melhor qualidade de vida da população. O conjunto de serviços proporcionados pelos recursos hídricos é de aproximadamente U$ 1700 x109 por ano (para uma área de 200x106 hectares de rios e lagos).
Esta valoração está ainda nos estágios iniciais, uma vez que a dimensão completa de todos os “serviços” é difícil e complexa e há enormes diferenças regionais e locais nesses valores.
Valores recreacionais, estéticos e custos do tratamento natural variam bastante. Esforços precisam ser definidos para avaliações locais, de diferentes ecossistemas aquáticos, de águas superficiais e recursos hídricos subterrâneos. Entretanto, esta valoração é fundamental para definir inclusive os custos de preservação e da recuperação e como compreensão para antecipar impactos. É fundamental avaliar os custos dos impactos sobre o capital natural e os “serviços” proporcionados por este capital.                               O futuro dos recursos hídricos

Recursos Hídricos representam um estoque de recursos fundamental para a manutenção da vida no planeta Terra e também para o funcionamento dos ciclos e funções naturais. Recursos Hídricos beneficiam direta ou indiretamente a população humana, principalmente se levarmos em conta os vários benefícios promovidos para o bem estar da população humana e para a sobrevivência de organismos.
Uma nova ética é necessária para enfrentar a escassez de recursos hídricos no futuro e para tratar este recurso como um componente fundamental dos ciclos do planeta Terra.
Além desta nova ética que compreende uma visão mais ampla do recurso, que inclui valores estéticos e culturais, é necessário um conjunto de alterações conceituais na gestão, como a descentralização da gestão, implantando os comitês de bacias hidrográficas, desenvolvendo mecanismos de integração institucional e ampliando a capacidade preditiva do sistema. A gestão ambiental e especialmente a gestão dos recursos hídricos no século 20 foi dirigida essencialmente para uma ação setorial (pesca, hidroeletricidade, navegação), em nível local (rio, lago, represa, água subterrânea) e de resposta a crises. No século 21 esta gestão deverá sofrer uma transição para uma gestão integrada (usos múltiplos), em nível de ecossistema (bacia hidrográfica) e preditiva (ou seja, capacidade de antecipação de problemas, desastres e impactos). Isto implica também em avanços tecnológicos essenciais: monitoramento avançado em tempo real, treinamento de gerentes de recursos hídricos com visão integrada e integradora, capacidade de análise ecológica e modelagem matemática e construção de cenários adequados com avaliação de tendências, impactos e análises de risco.
Acima de tudo, o futuro dos recursos hídricos depende de uma integração entre o conhecimento (diagnóstico, banco de dados, sistemas de informação) ou seja, dados biogeofísicos e a sócio economia regional, incluindo-se as tendências e a construção de cenários.
Para evitar desperdícios, economizar água, melhorar os custos do tratamento e desenvolver arcabouços legais e institucionais é necessário considerar o conjunto de recursos hídricos – águas continentais superficiais, águas subterrâneas, águas costeiras e sua sustentabilidade no espaço e tempo incluindo valores estéticos, segurança coletiva, oportunidades culturais, segurança ambiental, oportunidades recreacionais, oportunidades educacionais, liberdade e segurança individual.

Fontes: ( José Galizia Tundisi/Instituto Internacional de Ecologia São Carlos-SP; revista interdisciplinar dos centros e núcleos da Unicamp.)