sexta-feira, 17 de junho de 2016

FRIEDRICH RATZEL



FRIEDRICH RATZEL
Friedrich Ratzel (1844-1904) é considerado por muitos o fundador da moderna geografia humana, sendo responsável também pelo estabelecimento da geografia política como disciplina.
A abrangente produção ratzeliana deixa transparecer a integração de fatos da modernidade e do rápido desenvolvimento da sociedade no contexto da Alemanha que se unificava. Reflexões sobre o Estado, a história, as raças humanas, o ensino da geografia e a descrição de paisagens perpassam a obra do geógrafo, que se preocupava em auferir uma identidade comum à nação em formação. No Brasil, é o Ratzel determinista que se destaca na produção historiográfica da geografia, resultado da leitura da obra ratzeliana através da literatura francesa, sobretudo da obra de Lucien Febvre - La Terre et L’Évolution Humaine (1922) - que estigmatizou a pecha de determinista para Ratzel em contraposição ao possibilismo de Vidal de la Blache,termo cunhado pelo próprio Febvre (cf. Moreira, 1989:32 e Moraes, 1990:13). Ratzel inicia sua carreira acadêmica em 1866 como zoólogo, interesse despertado pelo considerável impacto da obra de Charles Darwin na Europa, e de seu discípulo alemão Ernst Haeckel. Correspondente do jornal Kölnische Zeitung desde 1868, Ratzel teve a oportunidade de viajar pelo sul da França, pela Itália e pelo leste Europeu. Em suas impressões sobre natureza e paisagem, ocupação humana e nacionalidade, pode-se perceber a mudança do cientista natural para o geógrafo. De 1873 a 1875, Ratzel trabalha como correspondente na América do Norte, percebendo o surgimento de uma nova sociedade através do ambiente antrópico e de seu uso, e prevê um futuro essencialmente urbano para a sociedade moderna, no bem e no mal. O interesse pelo estudo da migração chinesa (Die chinesische Auswanderung, 1876), com o qual completa sua qualificação acadêmica, foi também suscitado na sua viagem à América.
De 1875 a 1886, Ratzel leciona geografia na Politécnica de Munique, combinando seu vasto conhecimento da literatura da disciplina com a riqueza, de dados e informações obtidos em suas viagens e pesquisas de campo. Geografia física, geografia regional dos continentes, geografia humana e política foram todos temas dos cursos mais substanciais. Em 1886, Ratzel transfere-se para a Universidade de Leipzig, onde permanecerá até sua morte, em 1904. Jean Brunhes, Ellen Semple, Hans Helmolt e Alfred Hettner foram alguns dos mais ilustres estudantes e orientandos de Ratzel nesse período. O geógrafo divide seu tempo trabalhando na formação de professores
para as escolas públicas e no fomento de aulas de geografia nessas escolas, publicando o livro didático Deutschland (1898) para combater a aspereza das aulas de geografia e “despertar a vontade de obtenção de um conhecimento e de uma concepção da terra natal (Heimat) não envolvidos apenas com o intelecto” (citado por Buttman, 1977: p. 83). Em Leipzig, Ratzel vai também aprofundar seu conhecimento filosófico através dos encontros com o chamado “Círculo de Leipzig”, um grupo de intelectuais interessados sobretudo na obra de Leibniz, que terá influência marcante na produção ratzeliana dos últimos anos de sua vida. Em linhas gerais, a obra de Ratzel é uma tentativa de superar uma geografia puramente descritiva e de avançar na formulação de grandes construções explicativas, onde o “sentido de espaço” (Raumsinn) ocupa lugar primordial. Das fecundas ideias ratzelianas, destacam-se principalmente:
1) O estudo dos efeitos recíprocos entre o homem e seu ambiente, onde o homem teria um duplo posicionamento: ativo, na medida que transforma, através de seu trabalho, a superfície terrestre, e passivo, na sua dependência das condições naturais, que seu espaço vital (Lebensraum) lhe impõe (Anthropogeographie, vol. 1, 1882);
2) O papel importante desempenhado pela cultura e pela difusão cultural (Völkerkunde, 1885-8);
3) As relações entre o homem e a natureza devem ser compreendidas não somente sob o ângulo da mediação técnica ou econômica (trabalho, progresso), mas também, e sobretudo, levando se em consideração a mediação política: Ratzel compara o Estado a um organismo (Politische Geographie, 1897). No entanto, o “organismo” político a que Ratzel se refere difere da estrutura rudimentar do organismo biológico, na medida em que expressa a unidade orgânica do homem e da Terra, incluindo todos os objetos perceptíveis, materiais e imateriais, vinculando-se ao conceito da unidade (Ganzheit) de matriz romântica;
4) A importância básica da geografia física para toda a pesquisa geográfica (Die Erde und das Leben, 1901-2);
5) A descrição artística da natureza e da paisagem deve preencher tanto as necessidades científicas como as estéticas (Über Naturschilderung, 1904).
O texto de Ratzel aqui traduzido - “Freunde, im Raum wohnt das erhabene nicht!” (Amigos,o sublime não mora no espaço!) - foi publicado em 1903 no periódico Glauben und Wissen (Fé e Saber) e insere-se no primeiro volume da obra póstuma Kleine Schriften von Friedrich Ratzel (Pequenos escritos de Friedrich Ratzel), organizada por Hans Helmolt, em 1906. Trata-se de uma coletânea de cerca de 86 artigos publicados em diversos periódicos de 1867 a 1904, que conta ainda com uma biografia escrita pelo organizador e de uma bibliografia levantada por Viktor Hantzsch. Nesses artigos, encontra-se ora um Ratzel reflexivo, ora inflamado, ora crítico.
Despojado da rigidez acadêmica, da preocupação da sistematização do pensamento geográfico enquanto disciplina, como em suas principais obras - Anthropogeographie e Politische Geographie -, aflora, nos Kleine Schriften, um Ratzel multifacetado, engajado politicamente, envolvido com questões filosóficas, artísticas e religiosas. Os artigos tratam desde a anatomia do Enchytraeus vermiculares a considerações sobre a fisionomia da Lua, glaciologia, etnografia, história, colonialismo na África, paisagens, panoramas, fotografia, escritos biográficos, geografia política, cidades, nacionalidades e raças.
A seleção deste texto em particular para ser traduzido, dentre tantos, deve-se à curiosidade suscitada pelo momento em que foi produzido, a chamada fase “madura” da obra ratzeliana. A humildade intelectual subjacente ao questionamento que Ratzel se permite fazer, em que busca explorar “as contradições da visão do mundo entre conhecimento das ciências naturais e fé cristã” (Buttmann, 1977:102), propiciou a sintonia com seu pensamento, o encontro, a mediação entre seu mundo e o atual. Nesse texto, o geógrafo faz uma profissão de fé, reconhece o intransponível, o insondável, mas não toma, perante este fato, uma atitude niilista. Apenas está consciente da existência de limites que, longe de provocarem-lhe desânimo, incitam-no a prosseguir seu caminho. No momento atual, em que se repensam os caminhos e descaminhos da atividade científica e do projeto da modernidade, e o lugar da geografia nesse contexto, a reflexão ratzeliana é digna de atenção.

OBS:( LUCIANA DE LIMA MARTINS - Mestre (1993) e doutora (1998) em Geografia pela UFRJ, desde 1999 trabalha como pesquisadora do Grupo de Geografia Social e Cultural de Royal Holloway, Universidade de Londres. A Introdução baseia-se principalmente em Martins (1993). A autora
agradece a inestimável ajuda do prof. Ferdinand Reis, sem a qual a tradução do artigo de Ratzel não se viabilizaria).